Com o selvagem
A arte como colaboração com paisagens selvagens e seus habitantes
– Pietro Consolandi
Tecer e Sentir: situar-nos num cosmos sem limites
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A partir desta história compreendemos como os habitantes do oceano encontrados pelos exploradores britânicos e holandeses perceberam o seu mundo aquático de uma forma diferente e, portanto, traduziram-no em diferentes culturas, estruturas e mapas. Um forte exemplo são os stick charts marshalleses, nos quais gravetos e conchas são usados para representar as rotas de viagem que partem de cada uma das ilhas para as ilhas vizinhas, acompanhando e interagindo com as ondas do oceano e a sua relação com as ilhas e o fundo do mar. Estes belos objetos são ilegíveis para quem os possa ver fora do ambiente relacional das ilhas onde foram realizados, mas tornam-se um desbravador quando imersos neles.
Apreendendo esse significado relacional e metafórico dos gráficos, a artista brasileira Renata Pelegrini desenvolveu recentemente uma série chamada MAPPA (2022-em andamento), na qual ela interpreta o conhecimento tradicional do Pacífico e se inspira nele. Em seus trabalhos ela entrelaça galhos de orquídeas de seu jardim, criando objetos que se parecem muito com gráficos de palitos, mas que não querem localizar lugares no mundo. Em vez disso, ela usa os laços verdes que são usados para direcionar o crescimento das flores em floriculturas comerciais como as conchas que localizam as ilhas nos gráficos originais, e deixa a ponta dos galhos – as raízes – abertas, apontando para múltiplas direções. Através do seu trabalho, a artista pretende convidar o público a pensar sobre a sua inserção na natureza, localizando-se dentro ou em relação a um ponto do gráfico. As orquídeas, explica Pelegrini, são plantas epífitas: podem crescer mesmo sem solo ou vasos, convivendo com outros organismos, e essa metáfora pode ser útil também para os humanos. Ao usar as partes não comumente elogiadas das orquídeas e ao reaproveitar os nós de plástico usados para direcioná-las de uma forma que agrade ao ser humano, esses gráficos falam sobre incorporar o conhecimento inato de tais plantas sociais, ouvindo o ecossistema, assim como os mestres navegadores do Pacífico, que são capazes de ouvir as ondas profundas do oceano deitando-se com o corpo no fundo da canoa.
O ato de tecer lembra ainda o do encontro, no caso dos stick charts é através de uma linha, enquanto nos desenhos mais circulares pode ser o de um abraço, ou de dar as mãos. Em outra série recente, Pelegrini aborda a tradição costeira das comunidades femininas do Nordeste do Brasil, onde é comum os homens trabalharem no mar (principalmente na navegação e na pesca) enquanto as mulheres permanecem na costa. Aqui, especialmente para viagens longas, as mulheres desenvolveram uma série de canções que são cantadas de mãos dadas – semelhante a cantigas de roda – geralmente ao luar. Em português, este ritual lúdico chama-se ciranda e inspirou uma série de esculturas “cantantes”, onde cópias moldadas de itens encontrados emitem ruídos quando são colocados em movimento, imitando o movimento circular das mulheres cantoras. Esta obra, também ligada ao ato de tecer, lembra ao público o papel do canto e da narração de histórias na manutenção das conexões que se criam nas geografias, mas também do papel do tempo na percepção do espaço e das viagens – neste caso, à espera de jornaleiros para retornar.
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