“…as pinturas não são como creem alguns, sentimentos (…), são experiências. Para pintar uma única tela, é necessário ter visto muitas cidades, pessoas e coisas.”
Renata Pelegrini chega a esta segunda individual (a primeira na Galeria Janaina Torres) reafirmando sua dedicação à pintura e ao desenho. Nesta trajetória, relativamente recente, suas pesquisas e questionamentos acerca dos espaços e das sensações fenomenológicas tornaram-se mais consistentes.
Renata produz a partir de fotografias (próprias ou de terceiros) de locais que ela tenha visitado. Essa relação com estes espaços transformados em lugares devido ao contato experiencial é primordial para entendermos como funciona sua concepção. Paradoxalmente, nas telas e papéis , os espaços que os originaram pouco importam. É a dimensão do que não é visível, captada pela artista, que transforma-os em nenhum espaço e, por isso mesmo, levam o espectador a todo e qualquer lugar. O apagamento de referências reconhecíveis contribui, ainda que a artista não faça disto um artifício produtivo, para este entendimento e uma prova desta integridade com seu processo é o fato de que durante uma fase de sua produção ela se questionava sobre nomear ou não os trabalhos. Penso que a clareza que ela possui hoje sobre este dado não deixa de ser relevante.
Uma das dimensões mais poderosas da Arte acontece quando ao lidar com o real o artista não se contenta em simplesmente reproduzi-lo, mas permite ao outro (re) interpretá-lo. É como um jogo que oferecemos ao nosso pensamento no qual ele vai reconhecendo o terreno, aprendendo as regras, decifrando os sinais até que ele esteja completamente dominado. E onde muitas vezes desaparece o interesse e nos acomodamos. Se, ao invés disso, temos de nos manter em movimento pontos de vista se alteram, muda o que vemos. É no jogo entre aquilo que é reconhecível e o não reconhecível que nosso pensamento se desloca; são nestes trabalhos de Renata Pelegrini que ele encontra um campo por onde caminhar. Todavia, para que isto ocorra, torna-se imprescindível a presença de aspectos que dependem das obras para existir, mas ocorrem externos à elas como integridade, inquietação ou potência pois, por exemplo, a potência destes trabalhos não vem da pincelada vigorosa, do traço assertivo, da incisão mínima e certeira, da visceralidade do negro ou de aspectos matéricos; é pela possibilidade ao pensamento de quem vê que a potência surge.
Da mesma maneira se apresenta a inquietação. Ainda que não possamos dissocia-lá do fazer artístico (qual artista pode prescindir dela?) e ela se apresente mais “visível” na superfície da tela ou do papel, a inquietude de um artista está na pesquisa, na dedicação ao fazer, na procura
de algo que ele nunca perdeu e que não sabe ao certo o que é ou como é. Essa necessidade é um tanto inexplicável, mas em alguns artistas é tão forte que podemos senti-la; ela pode tornar se quase palpável, como se o artista se amalgamasse com aquilo que o inquieta.
No caso de Renata Pelegrini acompanhar este “amalgamar-se” ainda nos trará muitas surpresas, descobertas e, claro, pensamentos inquietos. Intuo que ela partilhará conosco, através de seus trabalhos, a ideia de que “sou o espaço onde estou”.
Apropriação (d’ápres) de Rainer Maria Rilke in Os Cadernos de Malte Laurids Brigge. A versão original, com os trechos alterados em negrito, é: ” …os versos não são como creem alguns, sentimentos (…), são experiências. Para escrever um único verso, é necessário ter visto muitas cidades, pessoas e coisas.”